Último outono.Não muito alegre, mas nem tão triste, apenas um outono diferente.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Um dia de mãe


Sabe Isabela, eu passei a minha vida desejando ter uma filha. Quando pequena eu brincava com bonecas, fazia vestidinhos, e laços de fita. Eu me preparava para quando eu crescesse ser mãe de uma menina. O tempo passou e eu continuava sonhando. Eu me via andando pelos parques e, levando minha filha pela mão. Levando-a para o Jardim da Infância. Depois em sonho, fantasiei a existência dela e essa fantasia me acompanhou por toda uma vida. De repente eu menina ainda me casei. Cada filho que Deus me mandava á esperança renascia de que a próxima poderia ser a minha menina. Tinha certeza de que um dia ela viria. Deus na sua infinita bondade e misericórdia me deu um filho que eu amei e amo de paixão. Fiquei feliz com meu bebê nos braços e cantava todas as canções de ninar que eu aprendera com minha mãe.
Doce, meigo, carinhoso e acima de tudo meu companheiro. Foi desde pequeno e é até hoje meu amigo para o que der e vier. Contudo, eu continuava sonhando e esperando a minha menininha. Três meses depois eu já acariciava de novo minha barriga. Eu me sentia linda, carregando mais um bebê no meu ventre. Onze meses depois do primeiro, veio meu segundo filho. Fruto do amor verdadeiro, porque foi esperando por ele que tive a mais encantadora noite de amor. Quando senti o prazer de fazer amor, decidimos que a nossa criança teria o nome fruto da junção dos dois.
Outro menino veio alegrar a nossa vida, e a primeira coisa que meu marido disse foi: - A próxima gravidez será de uma menina. Um ano depois veio nosso terceiro filho. Um encantamento total, pela beleza e formosura do meu terceiro bebê. Um piazito manso, olhar sorridente, aprendeu tudo muito cedo, andar falar e num dia fatídico em menos de vinte e quatro horas perdi meu filho e quase enlouqueci de dor porque ele foi arrancado de dentro do meu peito. Perdi um pedaço de mim. O mundo perdeu o sentido, e eu queria morrer, porque sem ele perdi o gosto de viver.
Mas ele morreu por determinação divina. Porque já havia cumprido sua missão na terra. Morreu nos meus braços, e pronunciando “mamãe, mamãe”! E nessa hora fatídica eu o entreguei para Deus, porque não queria que ele sofresse mais. Meu filho morreu rodeado dos pais irmãos, tios, e avós. Morreu como toda criança que morre naturalmente e rodeado das pessoas que o amam e querem bem.
Ressuscitei das cinzas, depois de ter vagado procurando meu filho por todos os lugares onde passei. Enlouquecida ainda ouvi meu marido dizer. Já está na hora da gente correr atrás da menina que você tanto quer. Veio o meu quarto guri. O Anjo bom da minha vida, que me deu forças e trouxe luzes e o brilho dos cristais para enfeitar a minha v ida. É a minha alegria o seu cantar e seu viver. Homem de caráter, inteligente, é o companheiro de todas as horas e que me levanta quando eu caio. Por eles eu sobrevivi, quando pouco tempo depois, perdi o pai deles, por um problema renal. Mas em sonho continuava a pensar na filha que não tive.
Por isso hoje eu escrevo chorando pela dor que senti ao constatar a violência que você sofreu. Foi pelo seu sofrimento Isabela, pela maldade sem fim que praticaram contra você, adultos insanos, monstros que surgiram e a trucidaram, tão pura, tão ingênua, tão inocente, que eu escrevo essa crônica. Pela primeira vez na vida, eu não quero mais pensar na filha que eu não tive. E se você fosse à filha que eu não tive? Eu não saberia perdoar, eu sairia pelo mundo caçando os monstros degenerados. A minha revolta me faria beber o sangue desses infelizes, seja lá quem fosse, porque os trâmites legais da Justiça são morosos e eles podem fugir, para não apodrecerem na cadeia. Mas eu não saberia agir de outra maneira. Eu peço a Deus, que não sejam eles, os suspeitos de hoje, porque seria monstruoso demais. Eu de joelhos em nome dos seres humanos, peço perdão a você minha querida Isabela.
Porque com a sua morte tão violenta eu nunca mais quero pensar na filha que eu não tive. Ao ver você atirada no jardim por mãos assassinas e covardes, tão desamparada, tão só, eu queria estar lá, como mãe amparando você no meu colo acariciando e dizendo palavras de amor e de consolo, como se isso fosse possível!Você foi a boneca viva que trucidaram e que eu perdi. Todo ser humano tem dois lados. O lado monstro aflorou em alguém e trucidou você. Em nome de todo ser humano, eu peço perdão a você e as crianças do Brasil que morrem trucidadas, estranguladas, amarradas em corrente, jogadas vivas dentro de saco de lixo, no rio, são queimadas com cigarros, unhas arrancadas, línguas cortadas com alicates. O monstro dessa vez pode ter nascido em família que se diz e se acha perfeita. Como seriam as outras?


Artigo condensado da escritora Neide de Azevedo Lima , da Cidade de Chapecó SC. Colunista do jornal Diário do Iguaçu,Expresso D`oeste ...

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