Um trabalhador rural
Descrevendo a odisséia de um trabalhador, para que as pessoas conheçam a luta diária de quem vive da lavoura. O personagem de hoje seguiu a tradição da família. Começou comprando gado e viu que, para sobreviver e escapar de dívidas, teria que vender os bezerros ainda na barriga da vaca. Passou anos assim. Desistiu do gado e passou a plantar milho, soja, feijão. Veio a depender de empréstimos em banco, com uma obsessão: não ficar devendo além do que não poderia pagar. A dependência agora era de São Pedro. Sentiu que precisava diversificar. Depender de São Pedro iria continuar, mas precisava pelo menos não dever para os bancos e o mais importante: manter o crédito em dia. Os filhos já cursando a faculdade. Mas alguém teria que agüentar essas despesas. Ele, o pai, naturalmente. Resolveu plantar café. Aquela florada veio linda. Ele ia para o cafezal e cantava alto: “meu cafezal em flor, branca flor do meu cafezal”. “Ai menina meu amor, branca flor do cafezal”. Tempos depois ele comentava: meu cafezal em flor, a geada queimou tudo. Olhei para aquele que fora o meu cafezal e ele estavam da cor de chocolate. Um amigo chegou para ele e tentava um consolo. “Não fique triste, o cafezal é igual tuberculoso. Quando ele pressente que vai morrer, sente um tesão incrível e quer transar sem parar para continuar vivo. O cafezal queimado pela geada é assim, quando ele sente que vai morrer, ele reage forte. A próxima florada vai compensar toda a colheita perdida este ano”. O trabalhador começou a entender o que é a odisséia do trabalhador. Aumentou a diversificação e resolveu investir em imóvel. Garantiu a faculdade dos filhos.
Mais uma opção para diversificar. Arrendou as terras para plantio de soja.
A plantação veio bonita. O preço estava excelente. O arrendatário vendeu a soja na alta, no pico da safra. Mas deixou para entregar ao meu protagonista, as sacas de soja, quando o preço estava baixíssimo. Desanimou. Para receber o dinheiro foi preciso contratar um advogado e quase ficou sem as terras, comprada com o dinheiro fruto do suor do seu trabalho. Decidiu de uma vez por todas que iria plantar cana. Afinal, o governo fez tanta propaganda do Etanol, que talvez valesse a pena investir no plantio de cana. Plantou quatrocentos hectares de cana. Fez um contrato com uma empresa para vender toda a colheita. Enquanto isso, vendeu a metade do café no pé para agüentar os gastos com o plantio da cana. Mas, teve que fazer um empréstimo no banco para pagar quando recebesse o que estava previsto em contrato da venda do canavial. A empresa não cortou a cana no período certo e o pagamento do banco venceu. Escreveu uma carta bem feita e bem explicativa para o dono do Banco. Expôs que há mais de trinta anos trabalhava com o banco e que nunca deixou de pagar seus compromissos, rigorosamente em dia, mas que agora pedia uma dilatação do prazo para pagamento de empréstimo feito, porque embora com contrato assinado e em mãos a empresa não cortara ainda a cana e já estava com três meses de atraso. Mas que a cana seria cortada assim que as águas de março acabassem. O Banco negou e ele saiu cantando: “É pau é pedra, é a chuva chegando, são as águas de março, fechando o verão”. “é a chuva chovendo, é conversa ribeira, são as águas de março, é o fim da canseira”. Ou será o fundo do poço?
Sem saída, acabou vendendo o restante da futura colheita do cafezal, se lembrando que houve tempo em que vendia os bezerros na barriga da vaca! Mas a colheita da cana chegou! Mil homens trabalhando, aquele montão de ônibus na beira da estrada esperando os trabalhadores para levar para casa no fim da tarde. Ficava olhando aquele formigueiro de homens. Acabada a colheita, o dinheiro vai chegar. E vou curar o stress que vivo nesse batidão há cinqüenta anos. A empresa recebeu a cana e não pagou. E ainda restou a metade da cana no pé. Passou o tempo de brota e replantio da cana.
Ele com a fala mansa, ante meu espanto e afirmou: “não vou morrer, não. Vivi assim a vida inteira. O importante é trabalhar. E não adiante brigar com a empresa que comprou a cana. Vai demorar mais um pouco, mas ela vai pagar o que me deve. De certo está em dificuldade! Fazer o quê! Coitados!”.
Artigo condensado da escritora Neide de Azevedo Lima , (com sua autorização por e mail )da Cidade de Chapecó SC. Colunista do jornal Diário do Iguaçu,Expresso D`oeste ... Se você for da região Oeste, assine um jornal daqui e saiba de tudo o que acontece no Oeste de Santa Catarina.
